Uma cervejaria cigana é, em geral, uma cervejaria que não possui fábrica própria e, por isso, utiliza a estrutura de outras cervejarias para produzir suas cervejas. Esse modelo de terceirização da produção de cervejas é uma forma de negócio que se tornou popular no mercado brasileiro. De fato, ela pode ser feita tanto por cervejarias que precisam de uma capacidade de produção adicional (para atender um pico de demanda eventual ou uma região distante da fábrica própria, por exemplo) quanto por empresas que não são cervejarias, mas que querem ter um rótulo próprio.
Qual a origem do termo cervejaria cigana?
As microcervejarias que contratam essa forma de trabalho costumam ser chamadas de “cervejarias associadas”, “cervejarias parceiras” ou “cervejarias agregadas”, entre outros, mas o termo mais utilizado é o de “cervejarias ciganas”. Em inglês, também existem os termos “phantom brewery” (cervejaria fantasma) ou “cuckoo brewery” (cervejaria cuco, pois essa espécie de ave usa outras espécies para chocar seus ovos e alimentar os filhotes), mas também é o termo “gypsy brewery” o mais utilizado.
Costuma-se atribuir a origem do termo “gypsy brewery” a Mikkel Borg Bjergsø, um dos proprietários da Mikkeller, uma microcervejaria dinamarquesa surgida em 2006, presente em mais de quarenta países e que, até 2015, trabalhava exclusivamente com produção terceirizada (em 2016, a Mikkeler adquiriu uma fábrica da AleSmith, em San Diego e, em 2017, abriu um brewpub em Nova Iorque). Mesmo com plantas próprias, Bjergsø faz questão de manter o modelo com o qual iniciou seu negócio: o de produzir colaborativamente com cervejarias do mundo todo, viajando de país em país para criar rótulos em parceria com fábricas locais, motivo pelo qual ele mesmo se atribui a alcunha de “cigano”.
A origem do termo e o entendimento habitual que se tem da palavra “cigano”, dá a entender que a cervejaria contratante vaga entre diferentes produtores para fabricar seu produto. Entretanto, são muitos os fatores que envolvem o início de uma produção terceirizada, de modo que o caso mais comum é que as cervejarias ciganas produzam apenas em uma única fábrica e mudem de local apenas se for realmente necessário (por exemplo, a fábrica não ter capacidade de ampliação de produção).
Por que a terceirização pode ser uma ótima oportunidade de negócio para o cervejeiro cigano?
O modelo de terceirização permite que empresários que querem entrar no mercado, porém não possuem recursos suficientes para aquisição de equipamentos, possam testar seus rótulos e validar a viabilidade de seu negócio. Assim, trata-se de uma alternativa viável para o empreendedor entender
se quer mesmo prosseguir nesse mercado antes de fazer um investimento vultoso.
Como a maioria dos proprietários de cervejarias ciganas (e mesmo de muitas fábricas) começam o negócio como uma atividade secundária e movidos pela paixão pela cerveja e a vontade de sair da área onde estão atuando, é comum que ocorram percalços no início das operações devido ao desconhecimento de questões técnicas e, principalmente, de negócio. Assim, iniciar como cervejaria cigana pode ser uma boa escola para quem quer montar uma fábrica própria e uma alternativa menos arriscada para quem precisa entender o mercado e avaliar o resultado do negócio antes de largar a área de atuação profissional atual.
Estando livres de preocupações relativas à operação e gestão da produção, as cervejarias ciganas podem investir seus esforços nas áreas de marketing, publicidade, vendas e distribuição de seus rótulos. Em geral, antes de entrar no mercado, é comum pensar que o desafio está na produção, porém,
rapidamente, percebe-se que a área comercial é a que mais demanda tempo e esforço de uma cervejaria. Lembre-se: é possível automatizar toda a produção de modo que uma fábrica inteira possa ser operada por apenas uma pessoa. Entretanto, é impossível automatizar uma equipe de vendas e o relacionamento pessoal com os clientes.
Como o atendimento a cervejarias ciganas pode trazer lucro para a cervejaria contratada?
Para as microcervejarias contratadas, trata-se de um negócio interessante, pois pode-se aproveitar espaços de ociosidade entre as produções próprias para produzir outros produtos e rentabilizar o negócio. Em geral, esse é um modelo de operação em que o retorno para as fábricas é mais rápido e fácil do que a produção dos rótulos próprios. Isso se dá, pois as fábricas costumam receber dos ciganos o valor total dos produtos ou serviços no momento da retirada da produção na fábrica (muitas vezes recebem parte antes da produção, para aquisição de insumos, e o restante na retirada dos produtos). Assim, a fábrica não precisa se preocupar com venda, transporte e cobrança de clientes, obtém retorno rápido e seguro, e diminui sua necessidade de capital de giro.
Outro ponto a ser considerado é que, tendo um volume maior de produção, pode-se também negociar melhores preços e prazos de pagamento com os fornecedores. Com isso, a fábrica pode conseguir reduzir o custo de produção dos seus rótulos próprios e também reduzir sua necessidade de capital de giro. E, como a produção adicional ocupa horas ociosas da fábrica, ela não vai requerer aumento de custos fixos (como a contratação de pessoal adicional ou horas-extras), permitindo que esses custos sejam diluídos numa quantidade maior de litros produzidos e, consequentemente, possibilitando também uma redução nos preços e/ou aumento das margens de lucro.
Além disso, a parceria com a marca terceirizada pode render maior exposição para a contratada, uma vez que a contratante estará abrindo novos mercados e, provavelmente, levando a contratada junto com seus rótulos. Isso pode ser um facilitador para a negociação da fábrica com estabelecimentos que revendem bebidas, pois pode oferecer uma carta maior de rótulos, permitindo que o cliente tenha variedade sem precisar tratar com diversos fornecedores.
Ainda no aspecto de exposição, não se pode esquecer das participações em concursos e das premiações que podem ser obtidas por cervejarias ciganas. Quando uma cervejaria cigana é premiada, acaba gerando visibilidade tanto para sua marca quanto para as marcas da fábrica onde produz,
também gerando interesse de outros ciganos em produzir no local, uma vez que a premiação é uma indicação de que a fábrica trata os clientes terceirizados com cuidado e profissionalismo.
Como fica o controle de qualidade na cervejaria contratada?
A qualidade dos equipamentos, o conhecimento técnico da equipe e o profissionalismo dos serviços prestados pela fábrica são pontos de fundamental importância tanto para os proprietários da fábrica quanto para os cervejeiros ciganos. Uma cervejaria que queira receber clientes para terceirização deve estar preparada para isso e deve ter um sistema de controle de qualidade rígido e efetivo. Deve poder, de forma contínua, produzir a mesma cerveja dentro dos mesmos parâmetros, evitando reclamações ou disputas com seus clientes.
A cervejaria cigana, por sua vez, deve buscar, em todos os locais em que produz, o mesmo padrão de qualidade de processos e de produtos, evitando variações entre lotes diferentes de uma mesma cerveja. Nesse sentido, caso a cervejaria cigana decida produzir vários estilos, cada estilo deve ser produzido, exclusivamente, em um único lugar, para manter a padronização do produto. Isso se dá, pois, mesmo que ambas as cervejarias tenham equipamentos e processos adequados, podem existir outros fatores (tal como a qualidade da água) que podem influenciar o resultado final, gerando diferenças facilmente
perceptíveis para o público consumidor.
É importante que a fábrica contratada tenha condições de apresentar ao cliente relatórios de análise relativos aos lotes produzidos, de modo que qualquer dúvida sobre a adequação dos produtos ao padrão contratado possa ser discutida por meio de parâmetros técnicos. Boa parte das análises pode ser feita pela própria fábrica com a aquisição de equipamentos básicos de laboratório. Entretanto, é possível, também, encaminhar os produtos para laboratórios terceirizados que podem fazer análises mais detalhadas e, também, garantir a isenção da análise.
E a cervejaria cigana não vai concorrer com a cervejaria contratada?
Como fica a logística quando a cerveja estiver pronta?
Na grande maioria das situações, a cerveja produzida na fábrica deve ser retirada pela cervejaria cigana logo após ficar pronta e ser levada para o estoque, onde será armazenada até o momento da venda. Assim, é preciso avaliar o quanto a distância da fábrica e o tipo de produto produzido impactarão nos custos de transporte. Se os produtos forem pasteurizados, o transporte é facilitado, porém, se precisarem permanecer em cadeia fria, há impactos nas tarifas.
É preciso fazer contrato com a cervejaria?
Apesar de todos os pontos positivos e do constante crescimento desse modelo de negócio nos últimos anos, ainda há receio e muitas dúvidas, tanto das fábricas quanto das cervejarias ciganas em relação a como trabalhar nesse formato. Em geral, o principal receio das fábricas é com a responsabilidade técnica, uma vez que deverá responder por quaisquer problemas que aconteçam com o produto.
Já os cervejeiros ciganos costumam ficar preocupados com a propriedade das receitas e das marcas. É claro que é necessária uma relação de confiança mútua para que se possa iniciar qualquer negociação; mas é imprescindível para evitar quaisquer problemas imprevistos ou discussões futuras sobre “certo” ou “errado”, que se faça um contrato bem redigido e que trate de todas as situações possíveis e de como proceder caso elas aconteçam, antes que elas realmente aconteçam.
Por exemplo, o que acontece se houver problema na produção e o produto não sair de acordo com o esperado? Ou caso o cervejeiro cigano não produza na data marcada ou não consiga pagar o serviço no momento da retirada? Se a forma como proceder nesses casos estiver combinada desde o início, o encaminhamento das soluções torna-se mais rápido e menos traumático para todas as partes. Caso não esteja, as discussões podem ser não amigáveis e se estender por um longo tempo ou, inclusive, virar caso de justiça, que é algo que já aconteceu no Brasil.
Resumindo
A produção de cerveja no formato de terceirização é um modelo ainda novo e pouco conhecido tanto por cervejeiros interessados em terceirizar quanto pelas fábricas que têm capacidade para trabalhar nesse modelo. Por isso mesmo, é uma forma de negócio que ainda tem muito potencial e oportunidades a serem exploradas. A cervejaria cigana é uma ótima porta de entrada para o Mercado Cervejeiro, tanto que há vários dos nossos alunos e clientes que iniciaram dessa forma e hoje possuem microcervejarias ou brewpubs. Com um bom plano de negócios e uma marca bem estruturada você já terá metade do caminho para o sucesso percorrido.
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FONTES:
BORTOLINI, Filipe. Mercado Cervejeiro. Maringá-PR.: Unicesumar, 2019. 184 p. (Unidade 5, p. 156-160).
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